Todas as manhãs, antes do nascer do sol, os parques da China tornam-se locais de encontro para entusiastas do Taijiquan…! Pessoas de todas as idades e origens reunem-se para praticar estas artes antigas, legados dos seus antepassados, traço de uma forte identidade cultural. A frescura matinal, o esporádico som musical de ritmos exóticos, o chilrear de pássaros atarefados, o murmúrio de vozes apenas acordadas, fundem-se com o fluxo ritmado de movimentos sincronizados, criando um ambiente harmonioso, pacífico e tranquilo.
Esta tradição secular tornou-se um ritual diário para milhões de chineses, sendo beneficiários não só do exercício físico, como mandam as regras de uma vida salutar, mas também de uma profunda sensação de tranquilidade e bem-estar, uma forte ligação com a natureza. Através da lenta movimentação, os praticantes de Taijiquan cultivam uma profunda sensação de atenção plena e consciência corporal, em cada acção. A fluidez e graça dos seus movimentos refletem os princípios de relaxamento, flexibilidade e conectividade, promovendo uma fusão profunda entre o corpo e a mente, e desenvolvendo um estado de profunda tranquilidade e equilíbrio interior.
O Taijiquan tem raízes profundas na cultura e filosofia chinesa. Estas práticas foram sobretudo influenciadas pelo Daoismo, que enfatiza o balanço e as proporções Yin e Yang, um princípio estrutural desta filosofia milenar. Os movimentos deliberadamente lentos, harmonizam-se também com a crença ancestral de circulação energética, promovendo o fortalecimento do Qi e o seu fluxo ininterrupto por todo o corpo. A prática reflete ainda o conceito Daoista “wu wei”, que pode ser traduzido por “acção sem esforço”, não no sentido nulo da sentença, mas do fluxo dos acontecimentos seguindo a ordem natural do Dao, deixando apenas acontecer.
Esta filosofia incentiva a fluir com os ritmos naturais da natureza, e a encontrar equilíbrio e harmonia dentro de si, segundo o desdobrar de uma determinada ordem universal, aceitando e seguindo a corrente natural dos acontecimentos. Assim é a movimentação no Taijiquan; fundir um movimento com o que se segue, ininterruptamente, numa corrente fluida e contínua “numa acção sem esforço”, seguindo um determinado padrão, uma ordem universal, seguindo o Dao…
O povo chinês, fortemente zeloso das suas tradições, vê estas práticas não só como uma forma de manter um estado de saúde optimizado, mas também de se harmonizar com o meio envolvente natural e social. Estas sessões matinais promovem este forte sentido de comunidade e conexão social, um sentimento de fazer parte de algo, num ambiente de união, apoio e inclusão.
A prática do Taijiquan nos parques da China ao início da manhã é uma bela expressão da cultura chinesa e uma prova da popularidade destas práticas antigas. Esta popularidade estendeu-se naturalmente ao ocidente, que de certa forma adoptou a sua prática como uma forte alternativa aos tradicionais esquemas de exercitação física. Não encontrando nenhum paralelo no ocidente, ocupou o seu próprio nicho, muito devido ao facto de uma certa acessibilidade e adaptabilidade, não requerendo nenhum equipamento especial ou um grande espaço para a sua prática, tornando-se acessível a um vasto espectro da população. Ao contrário de tipos de exercício com mais alta intensidade, o Taijiquan oferece uma opção de mais baixo impacto, adequado para pessoas de todas as idades e níveis de condicionamento físico.
O aspecto meditativo do Taijiquan, a conexão mente-corpo, o cultivo da atenção plena e a promoção do equilíbrio emocional, são particularmente apelativos nas sociedades ocidentais, que procuram o alívio do stress diário, fruto de uma vida agitada, frenética e exigente. À medida que mais pessoas reconhecem as vantagens da prática desta modalidade, é provável que a sua popularidade continue a crescer, contribuindo para uma sociedade mais equilibrada e serena, fortemente conectada entre si. Listado como Património Imaterial da Humanidade pela UNESCO, o Taijiquan é hoje reconhecido como uma dádiva da cultura Chinesa ao mundo, um veículo de promoção das relações entre povos, um ponto de união entre diferenças étnicas, sociais e culturais.
E hoje, este ritual de exercício praticado por milhões de Chineses, é seguido por infindos entusiastas em todo o mundo. E se bem que nos parques mais a ocidente ainda vagamente se vejam grupos praticando às primeiras horas matinais, são já incontáveis as pessoas que ao dealbar do dia, aproveitando as condições frescas do amanhecer e o afastamento do ruído e caos do ambiente urbano, se unem em proveitosa simbiose com a natureza, absorvendo a serenidade e tranquilidade que estes momentos proporcionam, e embarcando numa nova jornada de espírito rejuvenescido, num sentimento de pertença a algo de mais grandioso.
Dance of serenity
In realms where body and spirit unite,
An ancient practice, a profound insight,
Taijiquan unfolds as a moving meditation,
A poetic symphony of mindful creation.
With gentle steps and flowing grace,
Practitioners embark on an inner chase,
Seeking harmony in each rhythmic motion,
Guided by the whispers of ancient devotion.
In the garden’s embrace or parks’ open space,
Amidst nature’s canvas, a sacred place,
Silent warriors gather, their spirits aligned,
To embark on a journey, body and mind entwined.
The art of Taijiquan, a dance of the soul,
Unveils secrets that centuries extol,
In its fluid movements, a harmony is found,
A symphony of stillness, without a sound.
by Rolando Martins
Nota: extrato do poema The Dance of Serenity do autor.